Sema na Imprensa
Do Correio Braziliense
Por André Lima*
O latifúndio monocultor extensivo é considerado uma ameaça à sustentabilidade, aos serviços ecossistêmicos, à biodiversidade e até à própria economia, no médio e longo prazos, pelo esgotamento do solo, da água e pelo comprometimento do clima. Monocultura é o domínio pleno na produção rural de uma única ou muito poucas espécies que ocupam grandes latifúndios (mais ou menos produtivos economicamente), gerando muito pouco emprego direto e muita degradação ambiental. Utiliza-se, para se viabilizar, de organismos geneticamente modificados – os transgênicos –, é altamente intensiva em consumo de água e venenos, com superexploração do solo.
Na política, uma espécie de monocultura extensiva afeta a cidadania e a sustentabilidade. Centenas de supostos representantes do povo, nos executivos e legislativos, em todas as esferas (federal, estaduais, distritais e municipais) apadrinhados clandestinamente por meia dúzia de setores dominantes da economia de escala (empreiteiras e agronegócio, por exemplo) agem, às vezes, até escancaradamente em benefício exclusivo de tais setores. O patrimonialismo viceja em Pindorama desde a primeira caravela com a concessão de sesmarias e capitanias hereditárias.
A monocultura na política gera impactos globais interessantes como o exemplo recente do bipolar EUA, que elegeu um presidente apadrinhado pelos setores mais retrógrados da economia do petróleo e do carvão, com efeitos colaterais catastróficos como a retirada do maior poluidor do Acordo de Clima de Paris. A distorção é tão evidente que dezenas de estados e municípios norte-americanos anunciam publicamente que vão desobedecer ao grande líder e vão avançar nas políticas regionais e locais de clima.
Aqui no Brasil, o Fla-Flu que vigora na política desde a redemocratização vem rendendo o esfarelamento a que estamos assistindo no Congresso e no Executivo com o impeachment da presidente Dilma e a situação insustentável do presidente Temer. Essa instabilidade agravada é fruto de um equilíbrio político tênue e flácido no parlamento dado, sobretudo, mas não somente, por uma sigla partidária que se profissionalizou por “se resolver nos problemas brasileiros”. O principal partido que deu sustentação e estabilidade ao poder nos últimos 30 anos joga como craque do Fla-Flu, trocando de time como quem troca de cuecas. Faria um estrago nos EUA.
Tal instabilidade, fruto da monocultura política (ou Fla-Flu eleitoral) joga a cidadania para escanteio (ou para fora do estádio). Na pauta socioambiental os impactos são graves e irreversíveis. Vamos aos exemplos recentes.
A Medida Provisória 752, que em seu artigo 35, inserido a pedido da Febraban, suprime a responsabilidade dos agentes financeiros que investirem em atividades ilegais e que causam danos ambientais como desmatamentos ilegais, por exemplo. As MPs 756/2016 e 758/2016, que colocam à disposição de grileiros, desmatadores ilegais e garimpeiros quase 600 mil hectares – quatro vezes a cidade de São Paulo, mais que um DF inteiro – de Unidades de Conservação (UCs), na Floresta Nacional e Parque Nacional Jamanxim (PA) e no Parque Nacional São Joaquim (SC).
Na CPI da Funai, aprovaram o desmonte dos direitos e das políticas para povos indígenas e quilombolas e pedidos arbitrários de indiciamentos de dezenas de pessoas e organizações que trabalharam nas demarcações que incidem em regiões de interesse eleitoral dos ruralistas da CPI.
A MP 759 premia a grilagem de terras em todo o país. Estima-se que, só na Amazônia, poderá disponibilizar à iniciativa privada, por valores bem abaixo do mercado, em torno de 40 milhões de hectares de terras públicas – o equivalente a 13 territórios do DF. A norma também retira exigências ambientais para a regularização fundiária. A aprovação da MP 759 acontece em meio a um novo salto da taxa de desmatamento na Amazônia. Entre 2013 e 2016, o desflorestamento aumentou 60%.
Assim como na natureza, a monocultura da política é um cancro que o Brasil tem que superar. A democracia de alta intensidade é um pilar central da sustentabilidade. A política como serviço ao povo e não como profissão é outro pilar fundamental. Ambas se completam com a economia limpa, também essencial à sustentabilidade. Na velha política capitaneada pela economia do atraso todos perdem: a democracia, o meio ambiente, a economia, a cidadania, o país. Que a Lava-Jato continue operando eficientemente a reciclagem na política e dos políticos, levando os rejeitos e abrindo alas ao novo, ao limpo e ao sustentável.
Clique aqui para visualizar a versão impressa.
*É advogado, mestre em política e gestão ambiental pela Universidade de Brasília e secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal
Floresta. Foto: Le Monde Diplomatique.