Você deve saber
Do G1
Custeado pela empresa Now Go, o projeto foi reconhecido como o maior do Centro-Oeste pela empresa júnior de engenharia de energia da UnB, Matriz — que desenvolveu e instalou os painéis. Batizado com o nome da creche, o “Alecrim Solar” será expandido para toda a comunidade, que é de baixa renda, em cerca de três meses, segundo Silva.
A lógica da engrenagem é simples. Feitos com 350 garrafas pet transparentes, caixas de leite pintadas de preto e canos de PVC, os painéis foram instalados no meio do percurso entre a água que chega da Caesb e as torneiras da creche.
A água fica armazenada nas garrafas, onde é aquecida pela luz solar absorvida pela cor preta das caixas. Como são dois painéis, o processo de aquecimento se repete e a água chega aos chuveiros com quase o dobro da temperatura ambiente.
“No primeiro teste, o termômetro marcou 41ºC. Isso porque era de manhã. À tarde ficou ainda mais quente, chegava a sair fumaça. A gente tinha que misturar com a água fria”, disse o administrador Wenceslau Gomes, que é marido de Maria de Jesus.
Como os aquecedores ainda estão em fase teste, a creche não montou estrutura para armazenar a água quente, usando a própria capacidade do equipamento para manter o recurso estocado. A ideia, no entanto, é instalar duas novas caixas d’água assim que os painéis estiverem em pleno funcionamento.
Uma ficará mais elevada, no telhado, para acumular a água vinda da Caesb e direcioná-la para os painéis. A outra servirá exclusivamente para reservar a água aquecida. Esta ficará dentro da creche, isolada por material térmico, que garante a manutenção da temperatura por 48h, segundo Gomes.
Além da água aquecida, a creche também aproveita a chuva para fazer limpeza. A estrutura de captação foi montada pelo próprio Wenceslau – que faz a “engenharia” de encanamentos da creche. A água cai sobre as telhas, passa pelas calhas e cai diretamente em um tonel, que fica no centro da creche.
Segundo o administrador, o reaproveitamento fez-se necessário com o racionamento hídrico no DF. “Aqui na Estrutural, racionamento acontece todo dia, quando a água chega às 2h30 e é cortada às 10h.”
Debaixo do telhado
Fundada há oito anos na região conhecida como Santa Luzia, na Estrutural – considerada uma favela –, hoje a Creche Alecrim atende cerca de 90 crianças no Setor de Oficinas. De segunda à sexta-feira, das 8h às 17h, voluntários desenvolvem atividades educativas e de lazer e ajudam na cozinha, limpeza e administração.
“A gente faz tudo no improviso. Não é profissional, mas tenta dar o melhor, com muito amor”, disse a fundadora da creche, Maria de Jesus de Sousa, que também é mulher de Wenceslau Gomes.
A única profissional especializada da creche é uma psicóloga que atende as famílias aos sábados. Segundo Maria, como ela também tem formação em pedagogia, prepara práticas de ensino e orienta outras voluntárias a aplicá-las durante a semana.
A instituição oferece quatro refeições por dia, preparadas pela própria equipe ou doadas por padarias e restaurantes parceiros. Uma das voluntárias, Cristina Pedra, é responsável pelo curso de culinária “Mão na Massa”, que ensina a fazer pães, bolos, biscoitos e pizzas “com o que tiver nos armários”.
A oficina também é desenvolvida em outras instituições sociais do DF. “O que sobra, a gente manda pras crianças levarem pra casa. É lá que o 'bicho pega'. Tem criança que passa fome mesmo. Só come quando vem pra cá”, disse Maria.
Os cursos de cozinha também garantem retorno financeiro à instituição, que vende a produção para pagar as contas de luz, água, energia, remédios e alimentação especial – 25 crianças são intolerantes à lactose.
O começo
Antes de abrir a creche – dentro da própria casa – Maria de Jesus, foi catadora do lixão da Estrutural. Na época, há cerca de oito anos, a primeira filha dela nasceu com uma deficiência no coração e precisou ser operada na rede privada de saúde. “Meu marido tinha acabado de morrer de infarto e eu estava sozinha, sem ter de onde tirar dinheiro. Fui pro lixão.”
Segundo Maria, em oito dias ela conseguiu juntar R$ 6 mil com a ajuda de “todos os catadores”, que se sensibilizaram com a história dela – que carregava a menina no colo em meio às montanhas de lixo.
Depois da cirurgia, quando a filha estava em casa se recuperando, Maria começou a cuidar dos filhos de amigas que trabalhavam e não tinham creches onde deixá-los. “Foi assim que tomei gosto pela coisa e comecei a creche dentro da minha casa.”
O atual marido, Wenceslau, era farmacêutico quando conheceu Maria de Jesus e abriu mão da vida detrás dos balcões para ajudar as crianças. “Quando a conheci, ela disse que precisava de ajuda. Em pouco tempo, percebi que ou entrava de cabeça, ou podia ir embora.”
Painéis de aquecimento solar com garrafas pet é usado por creche na Estrutural para aquecer chuveiros. Foto: Luiza Garonce/G1.